domingo, 14 de fevereiro de 2010

CLSW 31012010

A Patrícia Cabral - asa de morar

as siglas levam ao lugar certo. minhas pernas não. brasília: sigla-me. tenho apenas duas mãos dois marrons e todo tempo do mundo. eu ando pelo mundo espiando versos. há tantas vidas ocultas em cada espaço em branco, entre uma letra e outra, entre um verde e um vermelho: o azul do olho de brasília. brasília mameluca: taturana, maluca, bandeira. há tanta complexidade nestes complexos habitacionais onde sopram os ventos sudoestes e tanta mobilidade constante onde sopram os ventos nornoroestes. ninguém sabe o que pensa estar sentindo pessoa pela rua. brasília sabe e sente muito. eu sinto muito e sei. o que pensam sentir estas superpessoas? os anjos de uma Lisboa revisitada não invejam pessoa em brasília. ao contrário, enfatizam o mistério e a procura da conexão. sabe: todo pecado é corpo. todo perdão é capital. do éden tirar a planta, de babel tirar o plano de sodoma e gomorra salivar mulher, crianças e flautas. e o abaporu prossegue a marcha apressada dos candangos, das marias, dos marcovaldos e marcoservos... um porto amou as índias e apedrejou índios. outro porto escravizou: geobelo. veio um navio no deserto e criou candangos: zé e mais: posto que josés e agoras. mundo raimundos e raios de rimas; carlos era carlos mesmo e só. e carlitos reinventando em cada rua sem nome em cada rosto sem nome em cada corpo com fome. e só. e vãos. depressa pelas ladeiras ruas eixos, nos bondes nos autos metrôs. vãos. depressa: os homens anoitecidos do lado de dentro de onde se veio para fora.

CLSM30012010

A Carlos Drummond – Itabira Rio Mond...

sei, os cobogós promovem o cansaço habitual das retinas. instante, vejo os livros imaginários das estantes nacionais e não leio nunca mais, pois os concretos e os seios de brasília revelam muito mais. se os concretos refletem essa carga material das coisas e configuram-se como possíveis elementos não entrevistos pelas retinas fatigadas, por sua vez, renovam-se, despertam uma magia translúcida possível a mulher. ora bem, onde não há templo porque maior a moradia, onde não há significado porque maior a perda de deus – lá reside a estranha. lá é aqui e pergunta: que significa esta cidade? eu, abaporu e gauche, olho o relógio, olho o espelho dágua, disfarço e olho os olhos da moça e sigo... se os seios refletem o belo da moça o beijo da moça ainda jovem passando por cima de tudo e o gozo da moça passando por cima de mundo... ah melhor é morar no belo, no corpo da moça, corpo de morar e morrer. quer dizer, o espaço interdito do real de brasília é revisto e os detalhes são transfigurados: as mercadorias expostas nas galerias trazem consigo signos de outras coisas, os bibelos expulsos da feira levam consigo sonhos de outras pessoas – e barrigas cheias abaporuzinhos para alimentar deixam a antena do cerrado. o belo é a bela coxa da moça... o futuro corre, como correm os carros e os espermatozóides. o fruto, bendito, é geneticamente planejado: brasília clariceana tem sangue de barata e o abaporu tem sangue de urubu.

SOS22012010

A Cassiano Nunes e Maju

articulo de minha bicicleta cassiana elementos simbólicos e materiais de construção. materiais de expressão. Inefável, a cidade-mulher influencia o comportamento humano, o deslocamento urbano, o rompimento humano. Eu quero a minha calói nestes dias tão iguais, deixai que os metais caiam dos céus e os raios relâmpagos e trovões nasçam do asfalto como nasceram as rosas capitais, as mônicas em seus camelos eduardos e seus berimbais. matéria de poesia é o louco conversando sozinho com uma multidão de andantes compenetrados carregando seus quilos pelos olhos dágua. e quando passo com minha arnha perto do louco só. só para ouvir suas revelações entoa um apocalipse dos sonhos falsos de deus. mas eu, normal, não conto nada. e saúdo, domingo fechado, jkristo na sua monark. e brasília acha graça, passa e sorri e deitamos, colcha de retalhos, transformando os fatos cotidianos em passeios e planos. ah, são estes nervos cassianos pedalando pelo chãoceano. artefatos materiais em versos mais: ao abaporu a missão. reconfigurar significados opacos e deixar transparentes tudo que cabe em uma tela, tudo que cabe, braque, em um azulejo-de-tela. e o processo produtivo: dos gatos sem telhado, dos cães com donos, dos pássaros azuis da minha janela. ah os gatos cinematográficos, meninas, eu vi: roxo azul amarelo. e chega um dia um gato mia e o cachorro entediado nunca diz bom dia. chega o dia a janela canta. os saltimbancos cantam e levantam e cantam janelas de todo dia: olha o gás...

BBSS21012010

A Camile Claudel

brasília tem um jeito assim de amar demais, de cozinhar a mais e fazer amor demais. escultural: mãos de morar. e mistura pimenta com rapadura, pizza com tapioca e garapa com pastel. brasília dança, há tempos, demasiada e compassiva, ela: zaratustra o novo milênio e faz propostas indecentes. dançamos nos fixos das catedrais eu meus pais e os animais. brindamos as girafas de outros carnavais, os hipopótamos de nossos avôs espirituais. somos todos canibais... brasília, só ela, não acha nada demais. e persigo caliandras voando soltas livres e sonsas pelas marginais. eu olho, eu paro, eu rezo um tango argentino. explico a vida para brasília que nunca explica nada. espio os homens: somos todos uns calangos. avoados avoados. respiro as mulheres: zebrinhas. belas belas. espio os anjos, estes arquitetos do nada, nas sacadas comerciais. eles elos. então, neste sol a pino, neste portocalvo, nesta poça que reflete roxa o belo da sicupira departe: prédio em parte e risco de piloti. essa total explicação da vida se refaz numa poça de janeiro. brasília janeira. acho: tudo é pretexto para um dia em construção. tudo é pretérito de tão perfeição. a casa da árvore nega, nexo singular do espelho deitado, porque tudo se revelou perante a pesquisa ardente do homem que caminha pelo eixão saudando carros velozes, vácuos coralinos engarrafamentos exatos. sabe brasília, esta época traduz uma convergência entre objetividade e subjetividade e uma negação otimista de tudo aquilo que é. humano urbano mundano – dormir.

SBSB20012010

Ao Maestro Jorge Antunes (Magister Musicae)
malazarte este corpo não se parte. reside no plano mitológico: cobra com asas é brasília chã. cabe ao carteiro, que se sabe nem deus, nem herói, alcançar um possível encantamento da palavra por meio da andança poética. estranha ordem do mundo, estranha matéria de manhã. entregar a carta ao maestro. batuta que enluta os autos e os adautos de dom bosco. nesta manhã que se tece em cantos de celulares – que se ligam a outros que acordam outros que fazem acordos e cordas musicais. há um aparelho que emana voz e diante dos enigmas postos por este mundo, apreende, nos discursos e na rampa, os sentidos de ser gauche. corpo-baixo de abaporu. planta-altiplana de. e a osquestra orquestra. completa e sinestésica ensaia, nas arraias de carnaval, a voz do povo na rua, a ópera do povo no conic a obra do giramundo gritando fundo no peito de um traidor. judas e o vilão aires presos no carnaval. e tudo é superfesta. mas de uma festa chã, uma festa rompendo carnívora e antropófaga, rompendo sambatranses, sambrasílias, sombras e ilhas de cevada mineral. brasília superfantasticamente... e o galinho da madrugada já vem tecendo a manhã e lança seus saltos ao bloco dos raprigueiros moços trigueiros comendo tremoços apolíneos. e lança. lança-perfume e batuques aos meninos da ceilândia, brinquedos de nicolândia, e joga pedra nos presos da disneylândia. eu vou é botar meu azulejo na quadra, meu bloco rua, meu cobogó na lua... e permita baco que eu morra de samba de cachaça e de folia no chão de mamãe babagiliá.

BSBS12012010

A Gylberto Freyre, estas raízes de brasília

meu corpo é o corpo da cidade. sou mesmo um abaporu exilado e bêbedo. onço pintado que migrou para reinventar suvacos de asa. um sem-raça, de etnia satélite e desterrada. somos eu a e cidade uns mocambos. e diversas casas, tão grandes, alheias, não espiam nada. números elevadores levam, elevam, rebaixam e aterrissam. chão: meus olhos marrons estranhos vem acompanhados da boca. meus marrons se fixam nas mãos e enxergo o cotidiano sete vezes sete facetado. e um colóquio em câmara têxtil se enreda aonde as esquinas não tem curvas. as rosas, no mês de junho, matéria de um bilhete para o velho braga. ali, onde a mulher não tem sorte e perdeu seu amor, tem mais dor que esfera, tem mais samba que concreto, tem mais guerra que beirute. todos os dias sinto muito e como em roma. saudade de brasília e leio: baudelaire, leio o corpo da mulher, a brisa cabralina que enjoa do paranoá – é. tudo metáfora naquelas velas concretas: feliz aniversário clandestino. e a matéria de uma realidade sentimental renovada pelo concreto deságua no azulejo, na pedra portuguesa com rima e poemas nas pegadas w3. essa escrita que se tece enredando fios e fragmentos do cotidiano, cansa retinas, ofusca narinas, espera ônibus que nunca vem nunca vem nunca vem que já passou. estas retinas, tão pequeninas, apesar de tão fatigadas pelas luzes modernas, percebem que a força divina das curvas barrocas, das luas loucas, das nuas roucas jáévem jáévem jávém – demorot. ay, neste corpo tão futuro e tão estranho: resíduo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

QPQS11012010

Para Athos com admiração

brasília me olha e talvez por isso evito. olhá-la. em outros momentos revela-se, na poesia de meus dedos e, dissimulado e oblíquo, eu olho. brasília nos olhos calo. sinto que vou dizer: e passo. expectador dos sentidos estimulados meus olhos vêem acompanhados de bocas. e salivo tudo que encaro. mas meu olho norte: azulejo desejo rima. meu olho sul: ministério mistério rima. e vejo com a pele e meu corpo abriga tudo aquilo que brasília repele. e abrigo brasília na minha pele: homem tolo abaporu – sem rima sem nome de rua. ser abaporu: quarta dimensão modernista. e tudo que finjo sob o sol é inclassificável: o azul é de bandeira. o amarelo é coralino. o marrom é de raimundo. o rosa é do rosa mesmo e o resto é clarice nua interrompendo a respiração. meus olhos maiores e vejo com o nariz: sinto o perfume de brasíliaclarice no meu corpo e meu corpo pensa estar voando – assim asa e alado. eu amo brasília e me despeço da moça do telemarketing, da moça no caixa de caixa de supermercado. moça da superquadra aonde esconde o seu traçado? e corro antes que eu me deite na passarela e seja assim um homem passado - ainda por cima. o perfume de brasília me deixa alumbrado e cometo um pecado: beijo uma carta de papel passado, um bilhete, lembrança de enamorado, uma carta marítima – memórias póstumas de um mar passado. mar alado a limpo – mar, sem ar, mar sem sal, embora o sal da terra: salgado.

PQPN10012010

A Le Corbusier

as nuvens espelham o peso do peso do existência (que não pesa mais que as mãos de uma criança) sobre meus ombros. planto a poesia com meus olhos brasiliae pisando exotismos. o olhar marcovaldo, ama ou sorri, detesta desata e sente vontade de morrer diante dos acontecimentos, traduz eventos que não perguntam nada; mas perguntava meu coração numeroso sobre os sentimentos do mundo: e, abaporu, roubo versos dos homens anoitecidos do mundo - dumond. o enigma dos olhos resistem aos desafios de um espetáculo urbano e opressor, humano e divertido, uno e outro. e um sentimento do mundo sensível é reconhecido quando vejo balões carregando um padre, algodão doce carregado pelo moço sem mão, cataventos cortando cisco da multidão. o mundo multiuso olha para si mesmo e objetiva um saber acerca das coisas. eu, o abaporu espiando. entrevejo os fragmentos do ser despedaçado por seus desejos e medos, ad-miro e vejo. os mistérios da existência são apenas o chão. e tudo é um apenas. e o que liga os seres no teathro mundi é ver pensar estar sentindo: há tanto tempo não atendia a um orelhão. telefone, moça bonita dos dedos de mel, da cidade do jorro de mel, eu vou estar esperando godot. entanto movimenta-se como peça da engrenagem que move a máquina do mundo. mundo mundo mundo. se eu me chamasse eu chamaria todo mundo. comigo sigo. calado: sigo o mundo.

SQNS02012010

A Lucio Costa

meus olhos e-motivos tem. as retinas fatigadas do segundo deitado na faixa. os carros não buzinaram. os meninos não cuspiram. os ônibus não xingaram. meninas, eu vi. grafitos nas nuvens: eles desenhavam tudo que era brasília. eram a quarta imitação. e tudo era um palco porque o mundo era redondo, mas o olho era emquadrado. o mundo enquadrado, sem anjos e sem pedestres, apressados. tudo parado, exceto o vento, exceto o tempo, exceto o passado. e tudo apenas porque brasília é assim: assim e assado. da nuvem. mas havia uma necessidade andarilha e segui os gatos desenhados com os grafitos nas nuvens. urb est latim pix: as palavras pixadas indicavam a direção. e segui os trieiros caeiros da população. trilhos certeiros fazedores de caminhos sem direção. o corte na terra. o corte na carne. o corte na côrte. a côrte com o corte nunca mais carne. foi no tempo do rei. eu sou o bobo. e uso a vontade de falar para calar tudo aquilo que pressinto nos vazios entre azuis. valas entre azulejos, ventos entre cordas, vácuo entre choques, caos entre cães vagabundos. eu o bobo encontro um mendigo. tem algo de chaplin, tem algo de sancho, tem algo do circo jgarcia. ele disse meu nome e disse todos os dias eu leio as nuvens, leio as mãos, leio uma passante. e brincamos de espetáculo. brasília um picadeiro, eu o circo de um homem só: o abaporu. disse: eita homem besta meu deus!

SQNN01012010

A João Cabral

eu sou o abaporu. sujeitinho esquisito cruzando a faixa para visitar a catedral. eu queria era falar com joão do santo cristo, o josé-de-agora. mas os olhos da alma de brasília revelam uma janela aberta quando saio da rodoviária: meu deus que cidade é esta? e meu olhar caminhante procura a poesia concreta, uma poesia de uma cidadezinha qualquer, porque meus olhos são de uma cidadezinha qualquer. passo por uma faixa. uma rua tumultuada das dezenove horas. lá nasceu a rosa do povo, a flor do cerrado, o antipecado, o verso calado. nesta cidade de mais de quatro milhões de habitantes eu me pergunto como. andar, sentir, olhar. estas avenidas, de aparência neutra, de impressão fria do frio da imensidão – imensidões de um céu maior que nem sei, um sol maior que nem sol, uma avenida com a sombra imensa das torres gêmeas. frio quem? meus olhos teimam e pecadores que são procuram a palavra perfeita para dizer tudo que meu coração cala, tudo aquilo que meu corpo exala. menino e andante, sozinho na multidão, meu olho olha o meu coração e o meu coração dispara e atravessa a faixa de mais de quatro mil listras. listas de passos, nos espaços onde não são listas, passos aonde as pessoas não tem nome. mas no meio da faixa eu paro e meu coração dispara e, por um momento, a cidade inteira para. repara: porque meu corpo meus olhos meu coração deitou na faixa atrapalhando o tráfego, rompendo a multidão.