terça-feira, 16 de dezembro de 2008

BRASÍLIAMAR XXVII

Brasília sempre certa. Mudo um móvel de lugar e mudo um eixo de direção para modificar sua feição. Mas cada mudança no plano indica uma nova direção em cada satélite-alfenim. E indico melodias. Quem vem da norte vai para sul e quem vem da 100 volta pra 900 e invento formas de me distrair da lógica de Brasília. E esbarro em alguém só pra pedir desculpas e aponto a mão para uma faixa só pra pedir um olhar e peço informações em cada quadra só pra me perder melhor no discurso da cidade. E troco um aceno nas 400 e saúdo o sol na 700 e descanso na sombra de uma mangueira das 200. Toda quadra é feminina. Das mangueiras da 16 eu gosto mais. E lanço um passarinho em pleno ar e conclamo uma gaivota sobre niemar e uma andorinha na leveza certeira dos trilhos que ela desenha no ar...

BRASÍLIAMAR XXVI

Brasília é minha velhice, faz parte de uma busca poética de muitos anos. As leituras me consumiram e a busca de um estilo me trouxeram até aqui. Conheci a Paris de Balzac, visitei a Dublin dos dublinenses e fiz minha professora de francês procurar no mapa a mais bela cidade da memória: Combray. Ela nunca achou e eu me perdi à procura da palavra perdida. Não quero me justificar, mas queria que meus poemas dissessem mais do que eu diria. Sou um cronista do absurdo e esqueço cada linha que psicografo. E digo menos porque a arquitetura oferece respostas. Brasília, eu sei, é esfinge é mulher tem mais pirâmides mais hieróglifos mais do mesmo e um nada que é para sempre. Nada pleno. Estou cansado de mim, dela não. Ela é minha feição, minha escolha que não escolhi. Para viver um grande amor basta descer aqui na rodoviária e procurar a moça deitada na grama. Daí é só planear planear planear e colher a rosa que nasceu do asfalto e oferecer para essa mulher do fim do mundo. Brasília: quer casar comigo?

BRASÍLIAMAR XXV

A biblioteca de Dulcina guarda papéis. A bibliotecária de Dulcina guarda personagens. O palco é dentro de nós. Eu invento cenas só pra disfarçar e grito no palco plano: eu sou Dioniso. Ninguém acredita. E saio fazendo mágicas pelos canteiros milimetricamente erigidos. As crianças. Os meninos jogam bola entre blocos e as meninas, desajeitadas com os bicos dos seios crescendo, andam de patins no eixo fechado. Domingo é dia de parque. Para ser feliz é preciso ter esse céu azul de Athosbulcão. E fazer desse azul uma imensidão e dos azulejos uma canção. Há um mundo bem melhor a ser feito por você é o mundo imenso que se faz todos os dias. E eu sinto uma falta daquela prosódia, daquela Medusa, daquela Molly Bloom do cerrado destilando terceiras intenções. Dulcina era tão linda de se admirar que andava nua por minha Brasília. E brinco com os filhos dela. Tão bacanas, tão cuidadosos, remexendo no seu baú reescritas e recordando o dia em que a mãe lhes ateou fogo. A biblioteca de Dulcina aguarda papéis. A bibliotecária sente sono, cochila na coxia, há uma gota de sangue cortando sua maquiagem. Ela sonha com o quinto ato.

BRASÍLIAMAR XVIII (BAHIAMAR)

Quando os navios candangos aportaram na baía de todos os lagos um grito enorme rompeu do planalto fluminense. E os santos machucados, que apanharam da intolerância, ainda sobrevivem de oferendas escultórias – em Brasília falta um feriado baiano! E dos navios desceram Noé, Javé, Pelé e Zé-Prequeté. E foi uma mistura: calango com macaca, avestruz com urubu-rei caititu com caitité. Babalorixá com Nossa Senhora, Universal com Tranca-Rua, Judas com Joaquim da Silva Xavier. Não permita deus que eu morra. Permita Deus que eu morra de samba de cachaça e de folia. Brasília era um redemoinho. Nonada a poeira inventava o povo. Osturdia eu vi um. Era uma beleza: impávido, colosso, pai gentil. Ele me viu. Olhos nos olhos. Existiu? Penso logo e me benzo três vezes. Mas se ergue do remoinho a clava forte eu incorporo todos os santos, todos os bichos, todas as antenas de tv. E o redemunho me invadiu e me rodou no horário da voz iluminado ao sol da nova cidade. Era um odeon que tocava gramofone: sambabom, sambaixada, sambhaía, sambatuque, sambrasília.

BRASÍLIAMAR XV (A Pedro Maia

Disciplina é liberdade. Placa monumental: “Tamos de ovário cheio de violência”. Desse idílio unilateral nasceu o rock brasiliense e seus coelhinhos de pelúcia. Da força do tambor com o risco da guitarra fez-se aborto elétrico. Do tom baixo do contra-baixo com a gaita que grita noturna e passeia pela madrugada fez-se camisa de vênus ou de força. Desse idílio unilateral nasceu o choro e seus acordes rendrixianos rodrixianos freudianos. E je ne voudrais rapellais que eu minto também. Eu mito também. Sou nada, nadica de nada, menos noves fora zero de mim. O coisinha. Coisinha ruim. E quando espero o som da capital inicial, distraído, churrasquinho de gato, guaraná cajuína, quandéfé ouço uma voz rouca cortando a noite: na favela, no senado, no araguaia... que país é este? Que país é este? Ideologia é liberdade... Um menino de 4 anos cantando rock, brincando rock como se brinca de pião finca maré pedrinha e bolhas de sabão. Meninos eu vi.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

BRASÍLIAMAR XXIV (A Patrícia Arruda)

Grava-me em teu corpo cidade de mais de um milhão de carros. Como um selo em teu coração, como um selo em teu seio quero te amar porque o amor é forte e minha sorte é jogar nos seus braços a minha Sorte. Cruel é o abismo da paixão, suas chamas são de areia e suas faíscas recordam o magma de rosa, as pragmas rexiduais dumond. Brasília do fim do mundo onde é seu começo onde é seu nunca? Ser expulso de Brasília representa estar cego e ser guiado por um louco. O amor aqui não é uma metáfora é uma compulsão é uma doença que bate na aorta. Por isso eu escrevo com versos roubados de vários poemas capitais. De tragédias que afirmam que Brasília é uma prisão. Então Brasília é um campo de concentração. Um mundo um campo um jardim em que cada escolha é uma prisão e cada prisão força o prisioneiro a estar concentrado naquela visão. Quem vem vindo do deserto? Quem chega a esta hora em Brasília. O amante. Entra, senta, toma cachaça, acha graça vai dormir. Brasília apaga seu cigarro, ri olhando a abóbada estrelada, balança a cabeça e deita em seu lençol de cetim. Brasília dá um beijo em mim e eu começo a sonhar com um lago que paira no ar, que corre riverrum pro mar, que voavoa na direção de niemar...

BRASÍLIAMAR XXIII (A Renato Cordeiro Gomes)

Eu moro em uma asa. Já morei em jardins, já dormi na rua, já fugi de campo de futebol. Mas habito uma asa e esta asa é uma norte. Um dia eu vou em uma festa no céu: vai ser uma festa. Resta agora saber desvendar diante dos olhos do dia-a-dia algum traço oculto de felicidade naquilo que ainda não conheço. Habitar as cidades-satélites para colher versos de abril, flores de julho, marcas de futuro. Quero penetrar cada satélite e fazer, girante e dançante como as notas de uma sanfona kalunga, o cosmos literário que persigo de minha janela. O satélite mais belo de Brasília é Bahia. Bahia de todos os povos: planejadamente casual. Da minha janela-norte sopra um vento que me liga a cada habitante das fronteiras retas. E esse vento sopra e volta a soprar e se estende entre pontos que minhas retinas pressentem e vejo desenhando-se rapidamente os mais belos poemas que colhi cada vez que deixei o plano e plantei meus pés em cidades que fazem parte da cidade e que se enformam como cidades capitais: Brasília, todas as Brasílias.

BRASÍLIAMAR XXII

Cada satélite que surge se multiplica. Sob o limbo, ao som de Zaratustra, ela se fecunda e deixa crescerem os ramos espiralados. Os cidadãos, enquanto o azul nasce do rosaurora, ainda sonolentos, não percebem que quando ela deixa de ser uma chegada passa a conter uma satelidade. A semente, em todo seu esplendor, contém a urbs, contém a metrópole, contém o mundo e contém as galáxias e contém viajantes espaciais em suas naves que não sei dizer... não são humanas e não podem ser ditas por palavras humanas porque elas são próprias, alheias a tudo que é humano, menos Brasília. Digo mal, mas digo de ouvir dizer: dizem ― o universo existe e Brasília está no seu centro.

BRASÍLIAMAR XXI

Brasília é o Castelo. Um processo kafkiano de ocupação de espaços. Pelas suas vias rápidas se estendem, se encontram se confundem se entendem os transeuntes e suas caretagens suas corretagens suas legiões e coros de nostradamus. Fronteiras. O fantástico é obtido dissecando-se o real: é o real que dá o conteúdo simbólico e torna-se fantástico aos olhos da realidade. Em Brasília, o fantástico atinge uma expressão total: a criação. E basta perguntar a uma criança qual é o sentido do plano, que ela, com seu jeito de mostrar o óbvio e a surpresa do absurdo da pergunta, responde com os braços abertos e a cara mais séria: Brasília está em todos os lugares, ué!

BRASÍLIAMAR XX

Brasília é a única capital tropical em que o sentido de sua construção está refletido no seu futuro. Ela é quinhentista invertida e é secular por ser inventada. A tradição de Brasília é buscar sentido para a vida. Seu plano foi copiado de um rascunho de roteiro. Um cineasta que filmava lá do alto, distraído de sua criação, deixou cair caindo papéis avulsos, fotogramas de beijos, marcas de batom, olhos azuis de divas...

BRASÍLIAMAR XIX

Sua forma de céu permite que os moradores se comparem aos anjos. Eles morrem de raiva. Mas anjo não morre. Anjo peca? Anjo cai? Por vezes céu e centro se confundem e são o mesmo. O azul-ilusório, do dia, e o céu negro-escurecido da noite, das estrelas, dos mapas celestiais determinam os destinos, as direções das asas das rodas das catedrais. O céu determina o destino das pessoas e as pessoas determinam o entusiasmo do aplauso do maior espetáculo da terra: malabares no sinal, cristais nas árvores, notas musicais da chuva, flores de ipê-furta-cor correndo correntezas de enxurradas. Brasília é um céu amplo, baixo, alado e bonito por natureza. Brasília, cidade maravilhosa.

BRASÍLIAMAR XVII

Brasília é uma ampulheta. Despeja a areia, grão a grão, despeja cada pessoa no seu exato lugar. Brasília é uma cidade que recebe as pessoas. Todo aquele que já atirou uma pedra, chega na cidade, pega a pedra do chão e a coloca no seu exato lugar. Todo aquele que veio pelo caminho do meio e viu que no meio do caminho tinha uma cidade descansou as retinas. As pedras de Brasília detestam não estar dentro do plano. As pedras desta terra têm manias, têm águas de mar e amam os sabiás. Brasília é uma ampulheta em que cada tempo é uma pedra que vai de uma asa para outra, cruzando o eixo, cruzando o ponto central, cruzando o marco inicial demarcado por uma antena de tv.

BRASÍLIAMAR XVI

Toda cidade é aberta? Quando fujo de Brasília ela me persegue como numa cena de filme noir. Todos os dias eu assisto um capítulo dessa vontade de se fundar. A história se repete todos os dias porque fujo todos os dias de Brasília. Amo tanto Brasília que paro, olho e passo. A vida é assim: contínua e trêmula como água de lago quando recebe sopros de brisa, cantos de arcanjos, suspiros de um Deus que não sabe mais o que inventar. O efêmero: o subterrâneo, o magma, a argila. Em Brasília não tem enterro. Os mortos passeiam e trocam de covas e lançam flores no lago. Ouvi dizer que existe um cemitério de elefantes. Mas ninguém sabe. Não vamos contar. Este será o meu segredo com você. Tu e eu pelos jardins das palavras jamais. A vida é meu teatro, mas Godot chegará um dia, atrasado como sempre, e eu estarei depois. Brasília se lembrará de mim como seu mais fiel amante, como seu mais devotado Bentinho, como seu mais irascível e luciferino anjo-da-guarda. Ela cantará meus versos, achados e perdidos em um sebo. Ela estará com uma legião no gramado central. Moças bonitas de se namorar cantarão lá lá lá lá lálálálau. Ainda é cedo... E quando o sol chegar e todas as portas estiverem acesas e todos as luzes abertas ela dirá um único verso, um único nome:

BRASÍLIAMAR XIV

O meu coração continua carregando um aperto no coração. Uma vontade de chorar, uma vontade de chorar. Meninos não choram e sigo pra estação. Sobrepostas, as Brasílias renovam-se geograficamente, transformam-se historicamente, reinventam tradições. Em Brasília deveria ser proibido museu. Toda tela, toda escultura, todo poema é menor. Minha poesia é menor. O meu nome mais menor. Ao falar de uma Brasília, talvez eu fale de todas, ou apenas de uma que não a do nome. Sinto vontade de correr e olho pro céu e digo bem alto: Brasília, Clarice, Clarabela!

BRASÍLIAMAR XIII

O reflexo, silencioso, mas cúmplice, força Brasília, caverna contraditória, a olhar nos olhos de si mesma. Ao homem resta refletir sobre esse mundo em seus olhos, ou contemplar fascinado a própria ausência. Brasília inveja os homens simplesmente porque eles têm olhos. Esses olhos que vêem, refletem e procuram o justo no visível, no que é aparente, apesar da obscuridade, ou no que se multiplica, apesar da transparência. As retinas, com sua luz ilimitada, refletem a grande iluminação do mundo e de seus seres iluminados que interpretam a capital. Todo pecado é capital? Digo nada e disfarço. A vida consiste em duas asas. Dois lados, divididos por pálpebras ou simplesmente por uma folha: de papel, de seda, de clorofila. A cidade iluminada pelo sol do velho céu faz sua fotossíntese todas as manhãs e admira-se nua nos olhos de cada ser.

BRASÍLIAMAR XII

Brasílias sobrepostas refletem-se em espelhos que apontam para uma sucessão de detalhes de detalhes de detalhes. O resto é história. A cada nova geração os sonhos se repetem. Repetem-se nos jeitos de deitar, nas formas de olhar, na pressa almoçada de todos os dias, na solidão da tela de um computador. Os habitantes desempenham seus papéis aos olhos da cidade. Tudo acontece exatamente no plano. Brasília é uma sucessão de tempos no cerrado, de ilusões alternadamente encontradas e perdidas, cerradas e perdidas, amadas e amanhecidas...

BRASÍLIAMAR XI

A delicadeza da vida frente à morte é semelhante à delicadeza das ninfas ao banho. Aqui, nesta cidade, há prédios que tem fontes. Cada fonte tem a sua musa e cada musa entoa uma canção de memória. A felicidade é a água. Ela é também um parque-de-diversões que flui aos olhos de uma criança. Mas resta sempre o desejo (coraçãomente) de apontar verticalmente para os detalhes que delineiam a vida. Daí existe a possibilidade de ir para a cidade transparente, ou ao fundo do poço. Às vezes o lago é um precipício, outras vezes ele é um semar senfim. Nado no lago à noite e ele me puxa pra dentro da noite veloz. Nadar no lago é nadar na terra com todos os corpos flutuando sobre mim. Brasília está contida no lago, sua verdadeira arquitetura reside nos escombros do fundo do mundo: oceânica, titânica, atlândida, ela um dia será descoberta pelas naus. E muita gente vai contar essa história pelos campos pelas ruas pelas flores construções.

BRASÍLIAMAR X

Há quadras que crescem para cima. Vias que correm para baixo. Uma paisagem invisível condiciona a diferença entre os homens e as diferenças entre os deuses. Uns vivem acima, outros abaixo. Alguns são plenos, outros, penam no plenário. Fazer versos é como construir cidades: uma palavra alicerça a outra e o concreto só pode ser admirado depois do ponto final. O mensageiro do vento, o lustre, o céu: estalactites arrancadas de mim.

BRASÍLIAMAR IX

Qual é o eixo que divide as asas? Quais asas voam na minha imaginação e se desdobram na mente? Como é bom dirigir pelas retas de Brasília e não pensar em nada. A língua de Brasília é guaráceítaguáilhá. As pessoas em Brasília não usam palavras, apontam para as coisas e cada um segue sua direção. E ela começa a existir justamente porque não necessita de um passado: ela é apenas êxodo. Apenas está presente e pressente a minha chegada toda vez que a olho da asa do avião. Brasília é a única asa que voa do chão e cabe aqui na palma da minha mão!

BRASÍLIAMAR VIII

Um dia dei um papel de pão pra Brasília desenhar. Ela fez uma plano-piloto. A cidade era exatamente ela: narcisa, singela, fractal. Pude perceber nessas imagens duplicadas e reduplicadas através do espelho que Brasília tinha exatamente uma idéia contrária àquela de sua fundação. E ela apenas se repetia para fixar na minha mente aquilo que ela guardava de mais secreto. Depois guardei o papel de pão. Distribuí o pão entre os carroceiros (proibidos e coibidos por placas sonoras) e fui olhar o lago. Minha imagem não se refletia nas águas. Tudo era azul: o lago, o tempo, o concreto.

BRASÍLIAMAR VII (Para Áttila Maia)

Brasília diz tudo que devo escrever. Ela é uma cidade autoral: Brasília de todos os santos. E repito os discursos de cada pessoa. Os hábitos são símbolos e toda vez que escrevo um símbolo procuro decifrá-lo. Mas logo esqueço e vou jogar bolinhas de gude. É uma luta vã. Daí, deito na faixa e espero o lobo-guará atravessar. Com o ouvido no chão, uma história. Mas essa língua, essa prosódia, essa via que fala deixa a gente cansado cansado. Eu durmo na faixa e todos os motoristas esperam. Aqui é proibido buzinar.

BRASÍLIAMAR VI (A João Gabriel Bahiano-Brasiliense)

Que filho nunca sonhou dormir com a mãe? Eu fecundei Brasília e meus filhos prosperaram e Brasílias menores cresceram. E minha infância é toda sua. Com amor com afeto com carinho eu imagino esta minha cidade como um berço e durmo acalentado por cantigas de ninar: boi boi boi, boi da cara azul! E tenho fases: há fases de frutas, há fases de chaveiros, há fases de fezes, há fazes de absoluta imobilidade. Uma música absoluta sopra da ponta da asa: pressinto acontecimentos. Mas fecho os olhos e lembro de quando Brasília era apenas uma loba. Meu irmão gêmeo deitado mamava na mamãe. Peguei uma pá. Plantei uma árvore: e todas as árvores entenderam o plano. E todas as árvores para todo o sempre estão no exato lugar. Elas são tão exatas como as siglas, as placas que indicam de onde évem. Agora, as tesourinhas, nunca sei para onde vão. Tesourinhas levadas: etéreas, veladas, aéreas.

BRASÍLIAMAR VI (A João Gabriel Teixera)

Há um desejo no divã, sádico, possível, pulsão de morte que irrompe no anseio de imaginar o desejado. Falo. Falo. Reconhecer a capital do reino e imaginá-la uma outra coisa seria apontar para o desejo de salvaguarda. Através do túnel central maquetes, museus arquitetônicos, câmeras na mão entelam o atlas interior de cada ser. Na visão, anterior ao sonho, o devaneio é antecedido pelo símbolo: uma quadra condiciona a outra, uma via nunca está solitária porque sabe que a sua reta, que nunca se cruza com outra, está lá, exatamente onde foi riscada. Uma menina condiciona o menino pedro de olhos pretos, uma pequena nuvem, mas muito pequena mesmo, condiciona a andorinha. Andorinha pequena do meu viver cai aqui na minha mão – cai cai andorinha andorinha luz menina luz balão. Brasília é assim: deito pra falar dela e falo de mim.

BRASÍLIAMAR IV (A Nicolas Behr)

Toda cidade tem um plano? Ou esta ou aquela? Não sei, não sei. Aqui todos os dias um desenhista pega sua caneta nanquim, seu papel de seda, sua luneta de ver estrelas de dia e sai para passear. Sendo plano o papel no chão. Sendo tempo a tinta mancha a mão. Redesenha. Desse desenho a cidade nasce todos os dias e dá lições de escrever. Cada pessoa amanhece com uma palavra. Cada palavra é única como o sol, o azul, o flamboyant, o gramado. Todos os dias Brasília tem um plano, mas ninguém sabe. No entanto, mal rompe a manhã: uma partitura, um álbum de fotografia, cartões-postais-digitais tudo isso na banca da esquina. Em Brasília toda esquina tem uma banca. As esquinas são invisíveis, as bancas não!

BRASÍLIAMAR III

Quando se visita pela primeira vez a última capital do reino, um fato irrompe: a consonância entre as cidades e a busca existencial da felicidade, latente em toda narrativa vivida, pode ser alcançada. Para isso, basta ouvir uma menina que conversa com a mãe no celular sobre os resultados do exame de sua gravidez, um cachorro solitário latindo incansavelmente atrapalhando o tempo, um louco conversando sozinho sobre meninos e lobos, uma veraneio vascaína com um bando de garotos de chuteiras e a moça do corpo molhado que sorri porque o vento é bom e tudo é bom quando o vento da chuva cai na cidade. Hoje chovo, amanhã não.

BRASÍLIAMAR II

O candango sente inveja do que não viveu e do que gostaria de ter vivido, numa espécie de memória do imaginado. Brasília é assim: diz o tempo todo o que você deve fazer e o que você não deve fazer. Daí o homem começa a andar e chega. Logo alguém sopra sua fala e o homem fala. Um carro pára na faixa e um balão amarélio sai pela janela e corto o eterno teto azulejal. Uma senhora de decote modernista funda a primeira esquina. A cidade afirma que todo aquele que chega deseja chegar a uma cidade, recordando ou não as já conhecidas. Ela contém o passado porque é a capital do futuro. Brasília não tem ponto final. Não precisa pedir licença, pode entrar!

BRASÍLIAMAR I

Brasília é uma tatuagem no rosto da menina. Gosto de ti assim: polar. Comosgraficamente voando para alcançar o sol. Suas asas? Concretas pesando em meu corpo. Pecando sob meu espírito. Mas a leveza de sua bela-beleza alçou de par em par alturas para fora do azul. Além, ela é ela mesma: rosal lavarinta demoníaca. Paredes aladas que fogem na direção. Solar, luminar, livre, a cidade olha nos olhos do astro e se sente luminada. Lux. Ontem eu não vi Brasília, mas ela estava dentro de nós. Ela estava no meio de nós. Ela era nossa alma: assim, simples, alada, amada, mulher.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O CATADOR DE IPÊS

VIAJO PELO MUNDO À PROCURA
DAS FLORES DE IPÊS.
EM BREVE RETORNAREI COM AS
RAÍZES DE BRASÍLIA...

AUGUSTO RODRIGUES
(o criador de quero-queros)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XXVI

Brasília é um código genético que precisa ser decifrado. Suas partes de esfinge, leoa, loba-guará e carcará precisam ser desveladas. Acaso trouxes-te o mapa? Sei de sua metamorforma: a espiral. E sei que há vida em seu solo. Então, posso caminhar na extensão feminina de teu corpo e seguir as trilhas harmoniosas, as cercas-vivas com suas ânsias de exatidão e sedução, prendendo o andante em seus braços pernas mãos lábios. Brasília é um campo elísio de concentração: tudo se concentra no seu epicentro altiplano e central. Que espaço, que sensação deliciosa de maravilhar-me nas tuas cósmicósmiscas linhas horizontais. Cidade ideal, sob a fulva névoa solar, vejo o momento auroreal em que todos voltam para casa. A ida é sempre translação: o carteiro solitário ruma para o lago e imagina que na sua casa haverá notícias distantes; a secretária retorna, mulher-satélite, para o jantar à luz de vela porque a conta não foi paga; o jardineiro, tesoureiro dedálico das árvores condensadas, volta horas no tempo e encontra sua casa arrombada: levaram sua maior riqueza – o jornal nacional; e retornam no eterno retorno as Donas Marias para todas as partes do lago. Na ponte, por acaso, uma prostituta canta ópera, na outra ponte um pescador reza peixes; na outra, desenhada pelo amor de deus, meninos jogam pernas para o ar e imaginam imitar o mesmo movimento gingado sobre as águas do lago – pontes andam e fazem ritmo no andar. No silêncio da noite veloz vou para meu laboratório for windows e incansavelmente observo Brasília no microscópio: ― violácea, virulenta, nuclear.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XXV

Os traços com que Brasília me fala, revelam um grande livro. Suas tesouras redemunham uma infinidade de símbolos que fazem revelações apocalípticas. Em Brasília eu vi um corpo feminino se retorcer no ar, voar em vão e virar cortina de chuva sobre o parque da cidade. E vi sete prédios iguais tombados pela força do anti-tempo. E canto porque o instante rexiste: e o fogo nos eixos tremulará no ar de sal e guias. Sua concretude propiciará aos meus olhos uma força sensorial e aérea. Brinco na chuva no domingo do mundo fechado e danço vivaldiano com cada marca de faixa, com cada gato fugido, com todas as lesmas do jardim das delícias rodando em gramofones que tocam abre-asas. As estações de Brasílias são marcadas pelas cores das flores no alto das árvores. Seu corpo feminino é espaço, o deslimite da materialidade de tudo aquilo que se dissolve em gozo... não sei se paraíso perdido, não sei se inferno ou paço; não sei purgo ou se me passo. Mas certamente seu corpo-paisagem é um milagre moreno da multiplicação. Brasília é uma aparição. Quero morrer nestas vias, quero ser parte de suas vindas, de seus milagres. E quando o clarão róseo no céu matar minha memória e corromper para sempre tudo aquilo que escrevo e escrevo porque sou escravo do escrito, ouvirei os bandolins e violões dos últimos dias soprando o choro dos desesperados. Asas ritmadas, sangue eterno de Santa Cecília Meireles e a canção é mundo – mais nada. E quando ressuscitar, quero ressuscitar em Brasília para que meu eterno retorno se dê numa faixa de pedestres, num azulejo com pomba branca, na parede pastilhada do labirinto reto e inexato.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XXIV

Brasília é uma réplica de si mesma. Se multiplica para se esquecer e olvida tanto que todo dia ela se abre em flor no pátio central do planalto planejado. No tempo do nunca, mundo aqui era grotesco: esculturas-galhas dinossáuricas, retorcidas, pesadas, escuras, turvas, opressas, como se queimadas pelas eras. O concreto de Brasília é o magma? Seu chão conta histórias de jagunços, lutas sangrentas, julgamentos noites adentro e de cegos que nada guiavam. O solo de Brasília é o cavaquinho com suas notas curvas, retorcidas, motivadas e delineadas pelas linhas de ferro que fazem curvas inimagináveis. Retorcem-se ugolinas, cerradas, magmas para serem admiradas. Larvas leves, estatuadas. Estátuas intactas, vesperamente empoeiradas, como se admiradas pelas eras, pelos éteres, pelas musas da canção. Brasília duplicada: via de mão única para o centro solar e vulcânico de si mesma: pragmática, magmática, niemática.

XXIII

Brasília é uma surpresa. Na caminhada pela grama da ponta da asa, na página de jornal, nas andanças pela estação cinematográfica da 108, ao som das chuvas-de-outubro, das cigarras-de-primavera e dos bandolins-de-atmosfera: the cantos. Depois o metrô. Metrô de alumbramento diante de uma moça que lia perto do coração selvagem. E meu coração pequenino percorrendo Macabeu as ruas da Ceilândia... depois voltar e deixar que meu coração volte para o plano olhando planos, fazendo planos, sonhando planos literários - Dédalo: il miglior fabro. Surpresas proustianas na Viçosa. No fim de noite os pastéis lembram cantos de São Paulo e o caldo-de-cana lembram a infância cerradeira. Me abro em palimpsestos e recordo todas as vezes que cruzei a cidade em busca de saltos – o Itiquira é sempre maior! Na volta, a W3 é um colo norte e me canta cantigas de ninar... e Brasília me lê, no inusitado do presente, o presente da leitura. Brasília é cronicamente fecunda. Candangoiano, no meu ser-quase-nada, converso com ela, retino seus desenhos diários de capital de todos os pecados. Vejo nas linhas de minhas mãos os riscos da catedral. Vejo na janela de vidro as linhas drummondianas. Brasília é uma crônica planejada no curto espaço de amar.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XXII

Brasília só tem um segredo: o medo de que todos os candangos partam, levando na bagagem a verdade e a vida. No plano, eles partiriam. Fora do plano elas pariram. Mas a rodoviária é apenas ponto de chegada. Ela não tem asas, ela tem âncoras. As pessoas aprofundam mais na âncora leste. Na pobreza, na fome, no tráfego e no tráfico elas encenam o teatro de vampiros. Na tela imensa que se abre diante do pé direito as torres gêmeas, as bacias de mambrino, os prédios verdes duplicados nas retinas empoeiradas enfumaçadas fatigadas – tudo cartão postal. Mas os cartões hoje não se enviam mais. Imóveis, fotografias de vozes que não viajam mais. O povo transita alheio e depressa. A rodoviária tem sete vidas e reúne as sete tribos que fugiram de Akhenaton: paraítas, paraibitas, maranhitas, piauítas, pernambistas, cearistas e bahitas. O êxodo de Brasília é sempre invertido. As pessoas quando fogem, vão para cá.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XXI

Foi em Brasília. Eu passeava na w3 no meio da meia-noite. Bicos de seios, pernas de meias, cinturas de cintas ligas batiam na estrelas inumeráveis. Havia a promessa do lago. Os últimos ônibus transitavam lentos pegando os últimos passageiros da vida. Ônibus chamados desejo. Insone eu rezava para o Santo Padroeiro dos atravessadores e atravessei o eixão correndo e cantando legiões. Havia a promessa do lago. Minha solidão se multipicava nas linhas das quadras. Nas transparências dos blocos que anunciavam famílias inteiras na mais completa solidão. Fazia um calor e um vento de Goiás soprava no vento. A vida para mim era chegar no lago. E como não encontrava ninguém a não ser o doce vento goiano sentia em mim pulsar a fascinação dos blocos compridos, os autos sinceros acelerando para lugar algum, a voluptuosidade do calor, as moças bonitas do passado e mil pessoas diferentes que chagaram no lago antes de mim. Meu coração bateu planejado. Seguia o mapa da mão de Drummond, segurava uma página surrada do caderno cidades do correio Z. Meu olhos marejaram: sal, algas, seixos. A via acabou. O lago batia em meu peito. As árvores últimas. A cidade sou eu. Eu sou o ser capital. A cidade sou eu. Eu sou a crônica da cidade. Sou eu a cidade meu amor é você.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XX

A satélite mais próxima é a w3; a mais distante: Goiânia. Goiânia, Brasília, Eu – nascemos no mesmo lugar: Goiás. Depois veio o Papa e cortou esse mundo ao meio. O bico do papagaio ficou de um lado e as penas do outro. Agora essa porção de terras é uma porção de terras inventando memórias futuras. Um homem também inventa: o passado das porções de terra. Esse homem é uma Ilha! Mas ilha maior é Brasília. Ilha da realidade. Com seus prédios, suas vias rápidas, suas curvas agônicas e formas agostinianas que revelam a variedade na unidade. Nas asas revela-se para o céu. Uma figura perfeitíssima se exprime em foices. No plano, para os olhos do céu, a solidez e a intocabilidade martelar revelam espiritualmente triângulos versus triângulos. No traçado, espelhado céu, o corpo feminino e imenso de uma mulher barroca deita na faixa de pedestres e atrapalha o choro.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XIX

Nesta cidade as relações são acometidas por uma claridade insuportável. A luz adentra, com suas marcas e formas, os escombros dos sonhos com força devastadora... As sombras dos andaimes, os gritos da solda e o concreto escultural apocalipsam torres e passo. Daí o mau hábito de conversar com cachorros, fugir do elevador que carrega pessoas, disfarçar na caixinha do correio o tempo de partida do vizinho do lado. O apego à vida habitual transforma-se em apego à solidão compartilhada e todas as pessoas se amam no curto espaço de um encontro no estacionamento, no milimétrico abrir-fechar da porta do metrô, no ponto de observação do pôr-do-sol, no motel da candangolândia com muito amor. E quando toda raça humana fracassa, Brasília se inaugura todas as manhãs. Anuncia azulejos com pombas azuis de imensidão, cercas vivas de verde desenhado e reguado com águas de chuvas novas, paredes inteiras de canções de ninar e vidros transparentes dentro da noite veloz que anuncia a escuridão. Onde todos dormem, entre corredores gigantes e tesourinhas girantes, repousa a atmosfera das metamorfose. Eu olho da janela e sinto esse ar da noite fria... e tudo está em paz ás ás ás...

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XVIII

O viajante que chega em Brasília avista longe longe longe o movimento de uma pedra sobre o lago. O resto são placas que indicam. Há muitas direções, muitas brasílias e uma só Capital Federal carinhosamente apelidada de Distrito Federal. As placas se confundem por exceção: Brasília a 71 km, plano piloto a um pouco menos. Brasília siga reto, gama vire à esquerda, novo gama não vire. Em Brasília: Km 0. De repente, o leitor de placas, depara-se com uma outra circunspecta: em Brasília não buzinamos. Todos dirigimos e nunca buzinamos. Em Brasília é proibido carroça... daí emplacaremos implacáveis as carroças e esses seres com hábitos de roça serão expulsos do paraíso planejado. O que é Brasília? Parafraseando Dom Bosco, emplacaria: se não me perguntam sei exatamente o que é; se me perguntam: Distrito Federal, capital, Palácio do Planalto Central - satélites, luz, balão. Brasília tem vias, tem avenidas poucas e a minha rua toda é inventada. Mandei colocar uma placa na minha rua ladrilhada: placa em branco para o povo inventar direções...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XVII

Casulo. Brasília nasceu de um casulo. Surgiu da terra-de-dentro. Grande sertão: silva. Nascida da generosidade das águas que correm para as areias sul e areias norte, da abundância das raízes e seus eixos e seixos milimetricamente monumentais, da fertilidade de tuas seivas de tuas chuvas adoráveis, da amabilidade do ventre mais que aberto e sua ânsia de historicidade. Brasília nasceu nos Goyazes: da terra desoladamente contadeira de estórias, cantadeira de stórias, contadora de gêneros, causadora de risadas, catadora de latinhas. Desta terra que se fez linhas retas, também brotou, partida ao meio, meio mundo, o barro insone das primeiras gotas de setembro. Nasceu também desta Terra goiandira, partida ao meio, Tocandira. Nesta terra plantando arquitetonicamente, tudo se dá. E as três terras na mesma terra, da mesma versão, inventaram cantigas de eras, antigas de rodas, anfisbenas de belas e parabelas de Ares. Desse casulo ao quadrado nasceu Brasília, Ilha de Ninfas e Centauros; desta terra fértil que se deixou desenhar geometrias, desta terra que se deu ao meio e deu-se à queda e foi ao céu nasceram: asas, versos, sopros, filhos...

terça-feira, 30 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XVI

Cidade Inexistente. Não sei teu nome. De onde vem. Para onde vai... Cidade sem nome, cidade sem mãe, cidade sem paz. Nada sei de tuas marquises. Nunca vi teus pilotis. Quais seriam teus planos cidade inexistente? Há-de existir alguma vez no sonho de buscadores do Greal? Será de taça a tua forma? Será sustentada por relíquias imaginárias? Serão autênticas as tuas ruínas? Teu nome, dirão, nomes mágicos que nunca o de sua fundação. Mas, no livro dos planos há um código secreto... Em papel rascunho se esconde o movimento de tuas esferas o tempo de tuas vias o espaço de tuas eras. Será de música o teu céu e de fios de ouro, bronze e ocre as tuas flores espalhadas pelas árvores. E será de argila a tua imagem e semelhança e serás tão bela como a identidade de tua esfera. Tua forma, tua terra, na Terra, tua imagem e imitação de si mesma. Teu nome é teu futuro ou uma folha caída na multidão que procura-te Greal, Feminina, Altiplana: invisível é o presente...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

BRASÍLIA INVISÍVEIS XV

A cidade e as cigarras. Um dia choveu, outro dia fez-se sol. Dizem que elas cantam pra chamar chuva, outros dizem que para chamar sol. A cidade canta e a cidade levanta, segunda de todos os santos, segunda de todos os meses. Setembro é sempre o pior dos meses. Setembro acaba, as flores inventam os casulos se abrem. As cigarras cantam jazz no clube da esquina e a cidade lança seus homo satélites para os afazeres planetários. A cigarra-mambenbrincante joga centelhas de música ao vento e a cidade dos escritórios liga seus pcs, lap-tops, bib-bops, palm-tops e livros de pedra ponto chegada. A cigarra-Dona-Estrela inventa um batuque do centro e voa canta com o calango cantador do cerrado; ela hermeta harmonias e clarinn e ele, avoado, afirma, no solo, o som do centro da terra. A Cigarra-batalá batuca a sinfonia do lobo-guará e a cidade com seu setor de auto-escolas faz balizas, liga setas, proíbe buzinar – as placas de trânsito conversam mais. A cidade se funda, se continua e se enfutura no trabalho. Brasília é a capital do futuro. No Clube do Choro João Peçanha, Hamilton de Holanda e a Cigarra d’Esperanto choram o canto do povo de um lugar: e todo dia o sol levanta, e todo dia o povo levanta e a gente canta; toda tarde a terra cora e a gente chora porque o choro é bom. Toda noite todo mundo vê a noite: em Brasília a noite é sempre solar.

domingo, 28 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XIV

Escavaram a capital federal. Encontraram computadores da última geração e um mimeógrafo. Incrustado: um poema à margem do lago. O poema tinha musgo, restos de pranchas de windíos-surf, partes de álcoois rimbaudiano, sombras de gases subversivos, escombros de ondas e odes monologais e manchas de mãos de crianças que fizeram provas-de-estencil. Qual foi a bíblio-sentença? Plano Pilatos julgou e absolveu o poeta: deixa Deus achando... deixa Deus achar. O poeta no palco central lutava com palavras, golpeava com adegas e nadegas e tirava pó-de-concreto do nariz. Nos hieróglifos de papel ao maço havia um mapa. Nele, a rota do homo brasiliensis: vieram navegando procurando o umbigo do mundo. Passarem pelo estreito de Nicolas-Behring e viram a selva. Passearam pelo planeta central, o eixo mono-mental e brincaram de roda com os anjos tortos da catedral. Depois decidiram descansar e inventaram Beirute: a capital de Brasília. Lá, beberam iogurte com cerrado e comeram farinha com laranjas seletas em honra dos lares e penates. Naquela época o poeta foi herói, hoje, limpa as lentes camaradas dos óculos diante dos spots, spocks e holofotes, descansará em paz e será de pedra sua estátua de sal. Havia uma anotação meio apagada na tela mal ligada do computador: anotações de um poeta marginal-norte – linhas de época de uma tragédia-cômica-épica de uma pista do futuro: Brasíliada.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XIII

Ontem eu andava pela L2 distraído... Uma sombra me cobriu. Era um carcará. Surgiu do teatro nacional e sobrevoou admirado do que via as vias de Brasília. Era um carcará esbelto, leve, voraz, mas de uma voracidade simples e nada planejada. Eu percebi que nos olhos do carcará havia algo de admiração e de estranhamento. Sentia que tudo era muito de depois. Ele, na sua ancianidade, planava. Eu parei de andar. Corria atrás do carcará. Ele não me via. Ele via apenas vias e ouvia vozes apontando para o céu. As pessoas, de repente, apareceram. Dos vazios brotavam pessoas, dos carros desciam pessoas, das passarelas submersas pessoas submersas e submetidas emergiam. O carcará pousou na pirâmide. Crianças aproximaram e voaram vendo das asas do carcará: as asas, o lago, o mar incrustado de conchas, colchas de retalhos e detalhes que as asas do carcará apontavam. Eu não voei, deitei no magma e fiquei contando voltas, risos, botões das camisas, meninas asas...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS C

O livro de carne: te odeio Brasília! Minha maior declaração de amor: La belle de jour flanando pelo açougue... Chuleta traduz os cantos de la esplanalta oval. Músculos traduzem as formas daqueles que nasceram depois da invenção. O sangue é a tinta do sambatranse e suas performances e ossos e couros e cóx e carne. Corações sangrando, moelas correndo, peitos deitando, coxas se abrindo feito mar. O amor é o maior bem imóvel. O táxi passou tarde e rumaram para a via central. Bares de beirute, lemas de janeiro, rios de prata, ondas de ar, sambas de odeon. Brasília é uma lua de mel com abelhas por todos os lados: ilha da alegria. Te odeio Brasília por tudo que é sagrado, pelos bois mortos, pelo garrote cerradeiro. E quando saio de Brasília vou para outra cidade: paro em Brasília. E quando fujo de Brasília, só encontro uma saída: o samba. E quando amo uma mulher: Brasília. E quando durmo estátuas e cobres e paredes pintadas: passagens do apocalipse, letras de choros, mantras pós-modernos. As paredes do labirinto são ovais. As paredes do labirinto são museus. Os museus vendem patinhos, galinhas, codornas, costelas, cornijas, vitrais, cruzes, credos, catedrais. As bibliotecas vendem pirulitos com chiclete, chiclete com banana, banana com canela, canela com mel, mel com açafrão, amarelo com verde, verde com azul, azul com branco: a mulher do fim do mundo é o fim do mundo. O fim do mundo é uma fronteira quadrada para todos os lados: a geometria é a melhor tradução. O jantar está servido: carne de Minotauro?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XI

Equinócio em Brasília. A saída e a entrada do labirinto situadas no mesmo ponto. O Minotauro, perdido em confabulações procura uma saída, um eixo, uma via lateral... Às vezes ele se deixa levar pelos cantos dos pássaros, pelas placas proibindo carroças, pelas vias arteriais com seus pardais de olhos atentos. Brasília é uma cidade que fotografa seus carros. Mas o Minotauro se deixa levar pelos ladrilhos, pelas imagens e códigos que eles escondem e revelam. As paredes se multiplicam em retas e sagram geometricamente os passos do homem, os chifres do boi. Cartazes e embaixadas anunciam anseios, desejos, invenções: ץ۞٣ ξψ. Os livros indicam direções. Fechados, seguem para o norte. Abertos, quando as portas abertas, seguem para o sul. As asas não permitem a fuga do labirinto. O sol dentro do labirinto. Espelhos solares multiplicam as paredes, multiplicam os azulejos e as pombas dos azulejos voam de encontro aos espelhos admirando os anseio de fuga, o desespero do Minotauro, as linhas exatas que reinventam o labirinto. Brasília tinha um plano para as saídas: ventos e luzes, desejos e medos. O Minotauro deseja, medra, deita e sonha o Labirinto Perfeito: um eixo sagrado e monumental.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS X

Brasília metade arrancada de mim. Nascemos no mesmo sertão: no mundo dos contadores de histórias... filhos de outros; advindos os pais. Pais desterrados, no caminho, não mataram seus pais. Seus pais vieram depois. Ninguém arrancou os olhos. Os filhos nasceram depois. A maldição: a esfinge nunca contou. A esfinge amamentou os gêmeos que fundaram esta cidade: Paulo e Otávio. A cegueira é apenas o título de um livro, o título de um filme talvez, a tinta de Goya, o canto dos índios Gwayazes. A cegueira é dom de Borromeu – aquele que revela tudo que deve de ser esquecido. A antiga capital: velha. A nova capital: pedra-fundamental. A moderna capital, filha da capital déco, neta da velha capital barroca. Brasília para-sempremente moderna. Mesmo velha, escavada, museu de tempo, Brasília moderna. Brasília eterna? E vieram as caravelas barrocas, com suas velas décos e seus ventos modernistamente odisséicos. Brasília é só para onde se vai.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS X

Brasília tem várias cidades-gêmeas. São espaços milimetricamete iguais à ela no espaço e no tempo. Aqui o espaço é igual ao tempo? A memória de Brasília está no espaço. Cidades satélites, perdidas no espaço, imitam todas as manhãs seus vazios de fuga, seus espaços de habitar, suas ruas de mover e seus campos de jogar. Em Brasília os carros correm atrás de bolas, micro-ônibus fazem passeios pelos milhares de parques e metrôs reinventam a arte das minhocas. Metrô tem cabeça ou...? Suas irmãs gêmeas, por serem gêmeas, todos os dias deixam que meninos corram atrás de bolas, meninas façam passeios pelas estações secas e chuvosas e debaixo da terra pais e mães brinquem de posso-capitão. Brasília tem muitas irmãs, mas Brasília anda distraída procurando sua identidade perdida no tempo.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS IX

Quem descobriu Brasília? Foi Riobaldo. Quando o mundo ainda era preto e branco ele veio e fez um pacto. Foi o primeiro e único pacto desta cidade. Depois disso nunca mais houve encruzilhadas... Tropelias. Mas ontem à noite vi macumba em uma tesourinha barroca. Os santos se renovam no modernismo labiríntico dos ires e vires que se lançam em eixos que desembocam em superquadras invisíveis. Os ateus, invenção contra-hegemônica de Deus, são místicos. Tudo é novo em Brasília. Nunca soube se uma tesourinha levra ou traz, vai ou volta. Até o tempo é novo e passa nos acordes do espaço, nas acrópoles das ausências imaginadas de praças, nas moças de esquinas sem esquinas... Mas Brasília tem uma vontade de ter passado! Ela passa, saúda, parte... Mas o passado dela é o magma e o futuro, ah! o futuro! é o silêncio do lago.

sábado, 20 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS VIII

Os livros esperam ônibus em Brasília. Eu esperava o ônibus. Li um livro. O ônibus não esperou. Perdi o ônibus, mas não perdi o final. Brasília é uma piada sem final. Há pessoas em Brasília que não sabem dirigir. Eu não sei dirigir, mas sei ler. Leio no metrô, leio w3-l4-SQN, leio os seres da rodoviária. As pessoas-satélites estão no centro. São satélites que giram para o centro e depois entornam. A trajetória de um ser-satélite é sempre abandonar Brasília e voltar todos os dias. Passar pelas asas, girar – obrigação de satélite, seguir a mesma rota todos os dias. Em Brasília nunca é domingo. Domingo satélite não vaga. Brasília é a cidade mais antiga do mundo. As pilastras, os aquedutos, os estádios estão todos ali sob os escombros das tesourinhas, das pontes moventes e dos pilotis. Às vezes leio Brasília nos pontos de ônibus e me perco. Abano a mão e alguém me leva pra fora de mim. Desço de mim e reconheço Brasília. Nesta cidade me perco todos os dias...

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS VII

Em Brasília nunca falta luz. Dia e noite: luz. Ela se acende todos os dias e se refaz na calada do sol. O resto é sombra e saudade da chuva. Brasília nunca foi deserta. Aqui morava meu avô. Perto de onde o planalto do pacto. Um dia choveu, mas choveu tanto que nasceu um lago. Depois parou de chover. Todo ano para de chover: mas o lago é uma chuva para-sempre aos olhos sedentos dos trabalhadores do marimaginário. Marimaginal: Niemar. Brasília tem muitas pontes. Elas levam apenas, nunca trazem. Sob a ponte em risco, como se batesse na água, voltasse, batesse, fosse pedra, pulasse, batesse, atravessasse – o lago ouve cantos solares de sereias. As sereias são as luzes mais belas de Brasília: elas cantam, musas e mulheres, para que o sol seja.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS VI

Quem descobriu Brasília? Foi Riobaldo. Quando o mundo ainda era preto e branco ele veio e fez um pacto. Foi o primeiro e único pacto desta cidade. Depois disso nunca mais houve encruzilhadas... mas hoje, inda agora, vi uma macumba em uma tesourinha. Os santos se renovam no modernismo labiríntico dos ires e vires que se lançam em eixos que desembocam em superquadras invisíveis. Tudo é novo em Brasília. Até o tempo é novo e passa nos acordes do espaço, nas acrópoles das ausências de praças, nas moças de esquinas sem esquinas... mas Brasília tem uma vontade de ter passado. Ela passa, saúda, parte...

PLANOS ESPELHOS

PLANOS

Brasília centro-solar: dia-luz
À sua volta, ninguém,
Vê exatamente seus eventos

Suas curvas são tão invisíveis
Quanto os riscos deixados
pelas tesourinhas de chão

A beleza de Brasília tende a zero
E reflete no lago se reflete
narcisa no espelho d’água

Brasília acha feio o que não é
Brasília gravita em luz própria
Espelha o que não é espelho
(Augusto Rodrigues, NIEMAR, p. 25)

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS V

Desfile de 11 de setembro: o hino nacional cantado em esperanto. A bandeira nacional com desenhos naïf. O kaiser com uma kaiser na mão. Cortejo de bibliotecários, trupe de saltimbancos, grupoS de seqüestro, gnomos enfileirados, Clarice solitária saudando o bonde da história e fazendo piruetas e lançando para o ar suas balizas incandescentes, cortejo de girafas, times de futebol, bahianas brancas azuis amarelas, velha guarda da portela em carro especial com aplausos especiais e sambas bambas bachianas, vendedores de algodão doce, ipês brancos com charme de empoeirados, hipopótamos manchados de lama, escritores mortos, sorridentes, em seus esquifes. O poeta bêbado, atrapalhando o passo, caído na esplanada, olha o azul e se funde com o azul. O poeta pisoteado ainda respira os últimos passos do desfile: vassouras, pás, lixeiras sobre rodas, descansos em paz...

BRASÍLIAS INVISÍVEIS IV

Relógiobelisco: blind. Em Brasília dezessete horas. Brasília é DF? Blind. As moças estudantes com o nome mais bonito, as outras, que abortam a vida, com nomes de fantasia. Blind. O doidim e seu cão falante remexendo lixeiras – inseparáveis. Blind. Os velhos vendendo dimdim. Blind blind blind. O engraxate sempre cabisbaixo olhando pés. Blind. Um pastel e um suco: um real. O de maracujá é sempre o mais pedido. Blind. Camisas de time passam: amarela, verde, grená-verde-branco: blind... O relógio sempre cabisbaixo: blind blind blind. Relógio déco? Cheira a déco, mas não se assume. À sombra do modernismo, absurdamente, no centro de um satélite ele é relógio, obelisco, imortal. Minha memória é déco. Ameaça de chuva fora de hora. Os olhos passantes secos: blind blind blind. Brasília Blind?
(Praça do relógio, Taguatinga, 17 setembro)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

JOGOS DE AVELÓRIOS III

Godot Chegot. Duas torres, dois cavalos, dois bispos, dois peões e duas rainhas; todos em mármore inspirados em Camille Claudel. A música utilizada será Noneto de Villa-Lobos. O objetivo será cruzar as peças até que elas se modalizem fazendo com que cada persona-pedra seja o ponto de uma reta e que, por isso mesmo, nunca se encontrem. Uma torre deve forçar a outra e vice-versa, um bispo o outro e vice-versa, um peão um peão e o inverso o inverso e as rainhas devem dialogar com Vladimir e Estragon. Depois do embate, as peças-pedras retornam ao lugar. Godot, num corredor formado pelas duplas e pares mendigos-rainhas recitará Elegias de Duíno (Rilke) e andará na corda bamba segurando um guarda-chuva. Ao fundo, Noneto comporá o clima e todas as luzes serão marcadas por sua cadência. Conclui-se o jogo fundindo a angústia e tormenta de Noneto com a queda de Godot.
(Augusto Knecht - Festival de 2210)

BRASÍLIAS INVISÍVEIS III

Eu sou o passageiro. Na curva, pouco antes da banca de revistas, os faróis surpreendem dois garis. Eles correm, laranjas, atravessando o tráfego da entrequadra. Um deles parece até esconder o rosto. Também sou surpreendido. Eles estão, comumente, invisíveis. Sabemos deles nos montes de folhas, nos cortes milimétricos das cervas-vivas, no limpo do asfalto. Mas nunca lembramos deles. Dois homens de laranja precipitados no limbo brasiliano varrem invisíveis os restos visíveis de civilização. Brasília é sempre esse susto. Na calada da noite, em que tudo soa tão bem é possível surpreender e surpreender-se: dois lobos-guará, um casal que volta para casa, um solitário fazendo companhia ao porteiro solitário. Depois: o frio insone da madrugada. Vassouras. Os lobos andarilhos a caminho do lago, Penélope ofegante sonhando navios, o porteiro em frio cerrado e o companheiro flanando pela madrugada buscando ausências.
(Augusto Rodrigues)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

JOGOS DE AVELÓRIOS II

Distender Oblivion ao tempo de encenação de Hamlet. O plano básico é fundir esquemas existenciais em quatro peças de Shakespeare: colocar Othelo no lugar de MacBeth; Macbeth no lugar de Rei Lear; Rei Lear no lugar de Hamlet e Hamlet no lugar de Othelo (para viver um grande amor!). Depois dos quatro movimentos: tecer Oblivion em pautas de arame farpado e lançar bolhas de sabão enquanto, lentamente, a cortina se fecha.
(Augusto Knecht – 2209)

JOGOS DE AVELÓRIOS I

Projeto simples: conjugar sete paletas em espelho; deixar que elas dêem formas aos ventos sobre uma cidade planejada. Depois, deitar o ouvido no solo altiplano e deixar que 127 pianos toquem o solo central. Usarei torres brancas na asa norte e torres pretas na asa sul. Sete anjos de Wim Wenders serão os guardiões e o anjo de Chaplin guiará o poeta e seu candelabro. No fim, utilizarei, como cartada final, um unicórnio furta-cor: seus movimentos em L terão leveza e seus desenhos renovarão tudo aquilo que as paletas coloriram com ventos invisíveis.
(Augusto Knecht – 2208)

BRASÍLIAS INVISÍVEIS II

Aqui. O pássaro na madrugada. Na manhã o mesmo. Os mesmos? Uma legião urbana de cantos anuncia músicas urbanas. Mas tão bucólicos: o lago, os galhos, os verdes secos. Meus olhos apascentam horizontes. Na tarde azul: o mesmo, o pássaro cantando. O que anuncia este pássaro... Pássaros? As rosas migram quando migram estas asas marrons? O pássaro pousa no ponto final.

IPÊS AMARELOS

O ipê não tem cor se não tem flor
Sem flor o ipê apenas ipê
Ipê sem nome porque sem flor

A semente não tem árvore
Imagina o homem na semente: árvores
Mas a semente não contém

A árvore está contida no homem
Mas o homem não contém a árvore
Não se contém diante das árvores o homem

O ipê roxo sem flor não é roxo
Não é amarelo o ipê amarelo sem
Nem o branco é branco quando folhas

A semente de ipê não tem cor
O homem lança a semente sem flor
A flor do homem é a semente do amor

A árvore lançada no sonho do homem
É o tempo do homem na terra
Marcando o tempo da árvore: o amarelo

O ipê verde é verde sempre
A árvore verde é verde mesmo
O verde quer ser visto para ser

O homem quando quer ver
Vê no ipê verde: flores verdes de cor
E o homem inventa: o ipê furta-cor
(Augusto Rodrigues, NIEMAR, p. 83, 2008)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Brasílias Invisíveis I

Brasília passa por mim a todo instante. Sinto cheiro do canto dos pássaros. O cheiro de Brasília pendula entre a solidão e o canto. Todas as noites eu sonho uma cidade igual a ela: e durmo um sono silencioso, único, alinear...
(Augusto Rodrigues; 15 de setembro

ASAS

Cidade planejada
que não se define
Que se indefine
No pecado premeditado
De um plano piloto

E todo pecado pressagia
uma esquina
uma quadra
uma fala talvez...

Cidade capital
De mais de dois milhões
de pecados capitais
Cidade de mais de dois
milhões de foliões

Cidade enquadrada:
remidos os nomes dos homens
condenados os que nasceram
depois da fundação

O livre arbítrio é sempre planejado
Como o passo na calçada
O poema em verso vidro
O trilho na estação

E todo pecado pressente a idéia de perdão
(Augusto Rodrigues - In: Niemar, GEV, p. 09, 2008)