terça-feira, 30 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XVI

Cidade Inexistente. Não sei teu nome. De onde vem. Para onde vai... Cidade sem nome, cidade sem mãe, cidade sem paz. Nada sei de tuas marquises. Nunca vi teus pilotis. Quais seriam teus planos cidade inexistente? Há-de existir alguma vez no sonho de buscadores do Greal? Será de taça a tua forma? Será sustentada por relíquias imaginárias? Serão autênticas as tuas ruínas? Teu nome, dirão, nomes mágicos que nunca o de sua fundação. Mas, no livro dos planos há um código secreto... Em papel rascunho se esconde o movimento de tuas esferas o tempo de tuas vias o espaço de tuas eras. Será de música o teu céu e de fios de ouro, bronze e ocre as tuas flores espalhadas pelas árvores. E será de argila a tua imagem e semelhança e serás tão bela como a identidade de tua esfera. Tua forma, tua terra, na Terra, tua imagem e imitação de si mesma. Teu nome é teu futuro ou uma folha caída na multidão que procura-te Greal, Feminina, Altiplana: invisível é o presente...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

BRASÍLIA INVISÍVEIS XV

A cidade e as cigarras. Um dia choveu, outro dia fez-se sol. Dizem que elas cantam pra chamar chuva, outros dizem que para chamar sol. A cidade canta e a cidade levanta, segunda de todos os santos, segunda de todos os meses. Setembro é sempre o pior dos meses. Setembro acaba, as flores inventam os casulos se abrem. As cigarras cantam jazz no clube da esquina e a cidade lança seus homo satélites para os afazeres planetários. A cigarra-mambenbrincante joga centelhas de música ao vento e a cidade dos escritórios liga seus pcs, lap-tops, bib-bops, palm-tops e livros de pedra ponto chegada. A cigarra-Dona-Estrela inventa um batuque do centro e voa canta com o calango cantador do cerrado; ela hermeta harmonias e clarinn e ele, avoado, afirma, no solo, o som do centro da terra. A Cigarra-batalá batuca a sinfonia do lobo-guará e a cidade com seu setor de auto-escolas faz balizas, liga setas, proíbe buzinar – as placas de trânsito conversam mais. A cidade se funda, se continua e se enfutura no trabalho. Brasília é a capital do futuro. No Clube do Choro João Peçanha, Hamilton de Holanda e a Cigarra d’Esperanto choram o canto do povo de um lugar: e todo dia o sol levanta, e todo dia o povo levanta e a gente canta; toda tarde a terra cora e a gente chora porque o choro é bom. Toda noite todo mundo vê a noite: em Brasília a noite é sempre solar.

domingo, 28 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XIV

Escavaram a capital federal. Encontraram computadores da última geração e um mimeógrafo. Incrustado: um poema à margem do lago. O poema tinha musgo, restos de pranchas de windíos-surf, partes de álcoois rimbaudiano, sombras de gases subversivos, escombros de ondas e odes monologais e manchas de mãos de crianças que fizeram provas-de-estencil. Qual foi a bíblio-sentença? Plano Pilatos julgou e absolveu o poeta: deixa Deus achando... deixa Deus achar. O poeta no palco central lutava com palavras, golpeava com adegas e nadegas e tirava pó-de-concreto do nariz. Nos hieróglifos de papel ao maço havia um mapa. Nele, a rota do homo brasiliensis: vieram navegando procurando o umbigo do mundo. Passarem pelo estreito de Nicolas-Behring e viram a selva. Passearam pelo planeta central, o eixo mono-mental e brincaram de roda com os anjos tortos da catedral. Depois decidiram descansar e inventaram Beirute: a capital de Brasília. Lá, beberam iogurte com cerrado e comeram farinha com laranjas seletas em honra dos lares e penates. Naquela época o poeta foi herói, hoje, limpa as lentes camaradas dos óculos diante dos spots, spocks e holofotes, descansará em paz e será de pedra sua estátua de sal. Havia uma anotação meio apagada na tela mal ligada do computador: anotações de um poeta marginal-norte – linhas de época de uma tragédia-cômica-épica de uma pista do futuro: Brasíliada.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XIII

Ontem eu andava pela L2 distraído... Uma sombra me cobriu. Era um carcará. Surgiu do teatro nacional e sobrevoou admirado do que via as vias de Brasília. Era um carcará esbelto, leve, voraz, mas de uma voracidade simples e nada planejada. Eu percebi que nos olhos do carcará havia algo de admiração e de estranhamento. Sentia que tudo era muito de depois. Ele, na sua ancianidade, planava. Eu parei de andar. Corria atrás do carcará. Ele não me via. Ele via apenas vias e ouvia vozes apontando para o céu. As pessoas, de repente, apareceram. Dos vazios brotavam pessoas, dos carros desciam pessoas, das passarelas submersas pessoas submersas e submetidas emergiam. O carcará pousou na pirâmide. Crianças aproximaram e voaram vendo das asas do carcará: as asas, o lago, o mar incrustado de conchas, colchas de retalhos e detalhes que as asas do carcará apontavam. Eu não voei, deitei no magma e fiquei contando voltas, risos, botões das camisas, meninas asas...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS C

O livro de carne: te odeio Brasília! Minha maior declaração de amor: La belle de jour flanando pelo açougue... Chuleta traduz os cantos de la esplanalta oval. Músculos traduzem as formas daqueles que nasceram depois da invenção. O sangue é a tinta do sambatranse e suas performances e ossos e couros e cóx e carne. Corações sangrando, moelas correndo, peitos deitando, coxas se abrindo feito mar. O amor é o maior bem imóvel. O táxi passou tarde e rumaram para a via central. Bares de beirute, lemas de janeiro, rios de prata, ondas de ar, sambas de odeon. Brasília é uma lua de mel com abelhas por todos os lados: ilha da alegria. Te odeio Brasília por tudo que é sagrado, pelos bois mortos, pelo garrote cerradeiro. E quando saio de Brasília vou para outra cidade: paro em Brasília. E quando fujo de Brasília, só encontro uma saída: o samba. E quando amo uma mulher: Brasília. E quando durmo estátuas e cobres e paredes pintadas: passagens do apocalipse, letras de choros, mantras pós-modernos. As paredes do labirinto são ovais. As paredes do labirinto são museus. Os museus vendem patinhos, galinhas, codornas, costelas, cornijas, vitrais, cruzes, credos, catedrais. As bibliotecas vendem pirulitos com chiclete, chiclete com banana, banana com canela, canela com mel, mel com açafrão, amarelo com verde, verde com azul, azul com branco: a mulher do fim do mundo é o fim do mundo. O fim do mundo é uma fronteira quadrada para todos os lados: a geometria é a melhor tradução. O jantar está servido: carne de Minotauro?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XI

Equinócio em Brasília. A saída e a entrada do labirinto situadas no mesmo ponto. O Minotauro, perdido em confabulações procura uma saída, um eixo, uma via lateral... Às vezes ele se deixa levar pelos cantos dos pássaros, pelas placas proibindo carroças, pelas vias arteriais com seus pardais de olhos atentos. Brasília é uma cidade que fotografa seus carros. Mas o Minotauro se deixa levar pelos ladrilhos, pelas imagens e códigos que eles escondem e revelam. As paredes se multiplicam em retas e sagram geometricamente os passos do homem, os chifres do boi. Cartazes e embaixadas anunciam anseios, desejos, invenções: ץ۞٣ ξψ. Os livros indicam direções. Fechados, seguem para o norte. Abertos, quando as portas abertas, seguem para o sul. As asas não permitem a fuga do labirinto. O sol dentro do labirinto. Espelhos solares multiplicam as paredes, multiplicam os azulejos e as pombas dos azulejos voam de encontro aos espelhos admirando os anseio de fuga, o desespero do Minotauro, as linhas exatas que reinventam o labirinto. Brasília tinha um plano para as saídas: ventos e luzes, desejos e medos. O Minotauro deseja, medra, deita e sonha o Labirinto Perfeito: um eixo sagrado e monumental.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS X

Brasília metade arrancada de mim. Nascemos no mesmo sertão: no mundo dos contadores de histórias... filhos de outros; advindos os pais. Pais desterrados, no caminho, não mataram seus pais. Seus pais vieram depois. Ninguém arrancou os olhos. Os filhos nasceram depois. A maldição: a esfinge nunca contou. A esfinge amamentou os gêmeos que fundaram esta cidade: Paulo e Otávio. A cegueira é apenas o título de um livro, o título de um filme talvez, a tinta de Goya, o canto dos índios Gwayazes. A cegueira é dom de Borromeu – aquele que revela tudo que deve de ser esquecido. A antiga capital: velha. A nova capital: pedra-fundamental. A moderna capital, filha da capital déco, neta da velha capital barroca. Brasília para-sempremente moderna. Mesmo velha, escavada, museu de tempo, Brasília moderna. Brasília eterna? E vieram as caravelas barrocas, com suas velas décos e seus ventos modernistamente odisséicos. Brasília é só para onde se vai.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS X

Brasília tem várias cidades-gêmeas. São espaços milimetricamete iguais à ela no espaço e no tempo. Aqui o espaço é igual ao tempo? A memória de Brasília está no espaço. Cidades satélites, perdidas no espaço, imitam todas as manhãs seus vazios de fuga, seus espaços de habitar, suas ruas de mover e seus campos de jogar. Em Brasília os carros correm atrás de bolas, micro-ônibus fazem passeios pelos milhares de parques e metrôs reinventam a arte das minhocas. Metrô tem cabeça ou...? Suas irmãs gêmeas, por serem gêmeas, todos os dias deixam que meninos corram atrás de bolas, meninas façam passeios pelas estações secas e chuvosas e debaixo da terra pais e mães brinquem de posso-capitão. Brasília tem muitas irmãs, mas Brasília anda distraída procurando sua identidade perdida no tempo.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS IX

Quem descobriu Brasília? Foi Riobaldo. Quando o mundo ainda era preto e branco ele veio e fez um pacto. Foi o primeiro e único pacto desta cidade. Depois disso nunca mais houve encruzilhadas... Tropelias. Mas ontem à noite vi macumba em uma tesourinha barroca. Os santos se renovam no modernismo labiríntico dos ires e vires que se lançam em eixos que desembocam em superquadras invisíveis. Os ateus, invenção contra-hegemônica de Deus, são místicos. Tudo é novo em Brasília. Nunca soube se uma tesourinha levra ou traz, vai ou volta. Até o tempo é novo e passa nos acordes do espaço, nas acrópoles das ausências imaginadas de praças, nas moças de esquinas sem esquinas... Mas Brasília tem uma vontade de ter passado! Ela passa, saúda, parte... Mas o passado dela é o magma e o futuro, ah! o futuro! é o silêncio do lago.

sábado, 20 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS VIII

Os livros esperam ônibus em Brasília. Eu esperava o ônibus. Li um livro. O ônibus não esperou. Perdi o ônibus, mas não perdi o final. Brasília é uma piada sem final. Há pessoas em Brasília que não sabem dirigir. Eu não sei dirigir, mas sei ler. Leio no metrô, leio w3-l4-SQN, leio os seres da rodoviária. As pessoas-satélites estão no centro. São satélites que giram para o centro e depois entornam. A trajetória de um ser-satélite é sempre abandonar Brasília e voltar todos os dias. Passar pelas asas, girar – obrigação de satélite, seguir a mesma rota todos os dias. Em Brasília nunca é domingo. Domingo satélite não vaga. Brasília é a cidade mais antiga do mundo. As pilastras, os aquedutos, os estádios estão todos ali sob os escombros das tesourinhas, das pontes moventes e dos pilotis. Às vezes leio Brasília nos pontos de ônibus e me perco. Abano a mão e alguém me leva pra fora de mim. Desço de mim e reconheço Brasília. Nesta cidade me perco todos os dias...

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS VII

Em Brasília nunca falta luz. Dia e noite: luz. Ela se acende todos os dias e se refaz na calada do sol. O resto é sombra e saudade da chuva. Brasília nunca foi deserta. Aqui morava meu avô. Perto de onde o planalto do pacto. Um dia choveu, mas choveu tanto que nasceu um lago. Depois parou de chover. Todo ano para de chover: mas o lago é uma chuva para-sempre aos olhos sedentos dos trabalhadores do marimaginário. Marimaginal: Niemar. Brasília tem muitas pontes. Elas levam apenas, nunca trazem. Sob a ponte em risco, como se batesse na água, voltasse, batesse, fosse pedra, pulasse, batesse, atravessasse – o lago ouve cantos solares de sereias. As sereias são as luzes mais belas de Brasília: elas cantam, musas e mulheres, para que o sol seja.

BRASÍLIAS INVISÍVEIS VI

Quem descobriu Brasília? Foi Riobaldo. Quando o mundo ainda era preto e branco ele veio e fez um pacto. Foi o primeiro e único pacto desta cidade. Depois disso nunca mais houve encruzilhadas... mas hoje, inda agora, vi uma macumba em uma tesourinha. Os santos se renovam no modernismo labiríntico dos ires e vires que se lançam em eixos que desembocam em superquadras invisíveis. Tudo é novo em Brasília. Até o tempo é novo e passa nos acordes do espaço, nas acrópoles das ausências de praças, nas moças de esquinas sem esquinas... mas Brasília tem uma vontade de ter passado. Ela passa, saúda, parte...

PLANOS ESPELHOS

PLANOS

Brasília centro-solar: dia-luz
À sua volta, ninguém,
Vê exatamente seus eventos

Suas curvas são tão invisíveis
Quanto os riscos deixados
pelas tesourinhas de chão

A beleza de Brasília tende a zero
E reflete no lago se reflete
narcisa no espelho d’água

Brasília acha feio o que não é
Brasília gravita em luz própria
Espelha o que não é espelho
(Augusto Rodrigues, NIEMAR, p. 25)

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS V

Desfile de 11 de setembro: o hino nacional cantado em esperanto. A bandeira nacional com desenhos naïf. O kaiser com uma kaiser na mão. Cortejo de bibliotecários, trupe de saltimbancos, grupoS de seqüestro, gnomos enfileirados, Clarice solitária saudando o bonde da história e fazendo piruetas e lançando para o ar suas balizas incandescentes, cortejo de girafas, times de futebol, bahianas brancas azuis amarelas, velha guarda da portela em carro especial com aplausos especiais e sambas bambas bachianas, vendedores de algodão doce, ipês brancos com charme de empoeirados, hipopótamos manchados de lama, escritores mortos, sorridentes, em seus esquifes. O poeta bêbado, atrapalhando o passo, caído na esplanada, olha o azul e se funde com o azul. O poeta pisoteado ainda respira os últimos passos do desfile: vassouras, pás, lixeiras sobre rodas, descansos em paz...

BRASÍLIAS INVISÍVEIS IV

Relógiobelisco: blind. Em Brasília dezessete horas. Brasília é DF? Blind. As moças estudantes com o nome mais bonito, as outras, que abortam a vida, com nomes de fantasia. Blind. O doidim e seu cão falante remexendo lixeiras – inseparáveis. Blind. Os velhos vendendo dimdim. Blind blind blind. O engraxate sempre cabisbaixo olhando pés. Blind. Um pastel e um suco: um real. O de maracujá é sempre o mais pedido. Blind. Camisas de time passam: amarela, verde, grená-verde-branco: blind... O relógio sempre cabisbaixo: blind blind blind. Relógio déco? Cheira a déco, mas não se assume. À sombra do modernismo, absurdamente, no centro de um satélite ele é relógio, obelisco, imortal. Minha memória é déco. Ameaça de chuva fora de hora. Os olhos passantes secos: blind blind blind. Brasília Blind?
(Praça do relógio, Taguatinga, 17 setembro)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

JOGOS DE AVELÓRIOS III

Godot Chegot. Duas torres, dois cavalos, dois bispos, dois peões e duas rainhas; todos em mármore inspirados em Camille Claudel. A música utilizada será Noneto de Villa-Lobos. O objetivo será cruzar as peças até que elas se modalizem fazendo com que cada persona-pedra seja o ponto de uma reta e que, por isso mesmo, nunca se encontrem. Uma torre deve forçar a outra e vice-versa, um bispo o outro e vice-versa, um peão um peão e o inverso o inverso e as rainhas devem dialogar com Vladimir e Estragon. Depois do embate, as peças-pedras retornam ao lugar. Godot, num corredor formado pelas duplas e pares mendigos-rainhas recitará Elegias de Duíno (Rilke) e andará na corda bamba segurando um guarda-chuva. Ao fundo, Noneto comporá o clima e todas as luzes serão marcadas por sua cadência. Conclui-se o jogo fundindo a angústia e tormenta de Noneto com a queda de Godot.
(Augusto Knecht - Festival de 2210)

BRASÍLIAS INVISÍVEIS III

Eu sou o passageiro. Na curva, pouco antes da banca de revistas, os faróis surpreendem dois garis. Eles correm, laranjas, atravessando o tráfego da entrequadra. Um deles parece até esconder o rosto. Também sou surpreendido. Eles estão, comumente, invisíveis. Sabemos deles nos montes de folhas, nos cortes milimétricos das cervas-vivas, no limpo do asfalto. Mas nunca lembramos deles. Dois homens de laranja precipitados no limbo brasiliano varrem invisíveis os restos visíveis de civilização. Brasília é sempre esse susto. Na calada da noite, em que tudo soa tão bem é possível surpreender e surpreender-se: dois lobos-guará, um casal que volta para casa, um solitário fazendo companhia ao porteiro solitário. Depois: o frio insone da madrugada. Vassouras. Os lobos andarilhos a caminho do lago, Penélope ofegante sonhando navios, o porteiro em frio cerrado e o companheiro flanando pela madrugada buscando ausências.
(Augusto Rodrigues)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

JOGOS DE AVELÓRIOS II

Distender Oblivion ao tempo de encenação de Hamlet. O plano básico é fundir esquemas existenciais em quatro peças de Shakespeare: colocar Othelo no lugar de MacBeth; Macbeth no lugar de Rei Lear; Rei Lear no lugar de Hamlet e Hamlet no lugar de Othelo (para viver um grande amor!). Depois dos quatro movimentos: tecer Oblivion em pautas de arame farpado e lançar bolhas de sabão enquanto, lentamente, a cortina se fecha.
(Augusto Knecht – 2209)

JOGOS DE AVELÓRIOS I

Projeto simples: conjugar sete paletas em espelho; deixar que elas dêem formas aos ventos sobre uma cidade planejada. Depois, deitar o ouvido no solo altiplano e deixar que 127 pianos toquem o solo central. Usarei torres brancas na asa norte e torres pretas na asa sul. Sete anjos de Wim Wenders serão os guardiões e o anjo de Chaplin guiará o poeta e seu candelabro. No fim, utilizarei, como cartada final, um unicórnio furta-cor: seus movimentos em L terão leveza e seus desenhos renovarão tudo aquilo que as paletas coloriram com ventos invisíveis.
(Augusto Knecht – 2208)

BRASÍLIAS INVISÍVEIS II

Aqui. O pássaro na madrugada. Na manhã o mesmo. Os mesmos? Uma legião urbana de cantos anuncia músicas urbanas. Mas tão bucólicos: o lago, os galhos, os verdes secos. Meus olhos apascentam horizontes. Na tarde azul: o mesmo, o pássaro cantando. O que anuncia este pássaro... Pássaros? As rosas migram quando migram estas asas marrons? O pássaro pousa no ponto final.

IPÊS AMARELOS

O ipê não tem cor se não tem flor
Sem flor o ipê apenas ipê
Ipê sem nome porque sem flor

A semente não tem árvore
Imagina o homem na semente: árvores
Mas a semente não contém

A árvore está contida no homem
Mas o homem não contém a árvore
Não se contém diante das árvores o homem

O ipê roxo sem flor não é roxo
Não é amarelo o ipê amarelo sem
Nem o branco é branco quando folhas

A semente de ipê não tem cor
O homem lança a semente sem flor
A flor do homem é a semente do amor

A árvore lançada no sonho do homem
É o tempo do homem na terra
Marcando o tempo da árvore: o amarelo

O ipê verde é verde sempre
A árvore verde é verde mesmo
O verde quer ser visto para ser

O homem quando quer ver
Vê no ipê verde: flores verdes de cor
E o homem inventa: o ipê furta-cor
(Augusto Rodrigues, NIEMAR, p. 83, 2008)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Brasílias Invisíveis I

Brasília passa por mim a todo instante. Sinto cheiro do canto dos pássaros. O cheiro de Brasília pendula entre a solidão e o canto. Todas as noites eu sonho uma cidade igual a ela: e durmo um sono silencioso, único, alinear...
(Augusto Rodrigues; 15 de setembro

ASAS

Cidade planejada
que não se define
Que se indefine
No pecado premeditado
De um plano piloto

E todo pecado pressagia
uma esquina
uma quadra
uma fala talvez...

Cidade capital
De mais de dois milhões
de pecados capitais
Cidade de mais de dois
milhões de foliões

Cidade enquadrada:
remidos os nomes dos homens
condenados os que nasceram
depois da fundação

O livre arbítrio é sempre planejado
Como o passo na calçada
O poema em verso vidro
O trilho na estação

E todo pecado pressente a idéia de perdão
(Augusto Rodrigues - In: Niemar, GEV, p. 09, 2008)