quinta-feira, 9 de outubro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS XXVI

Brasília é um código genético que precisa ser decifrado. Suas partes de esfinge, leoa, loba-guará e carcará precisam ser desveladas. Acaso trouxes-te o mapa? Sei de sua metamorforma: a espiral. E sei que há vida em seu solo. Então, posso caminhar na extensão feminina de teu corpo e seguir as trilhas harmoniosas, as cercas-vivas com suas ânsias de exatidão e sedução, prendendo o andante em seus braços pernas mãos lábios. Brasília é um campo elísio de concentração: tudo se concentra no seu epicentro altiplano e central. Que espaço, que sensação deliciosa de maravilhar-me nas tuas cósmicósmiscas linhas horizontais. Cidade ideal, sob a fulva névoa solar, vejo o momento auroreal em que todos voltam para casa. A ida é sempre translação: o carteiro solitário ruma para o lago e imagina que na sua casa haverá notícias distantes; a secretária retorna, mulher-satélite, para o jantar à luz de vela porque a conta não foi paga; o jardineiro, tesoureiro dedálico das árvores condensadas, volta horas no tempo e encontra sua casa arrombada: levaram sua maior riqueza – o jornal nacional; e retornam no eterno retorno as Donas Marias para todas as partes do lago. Na ponte, por acaso, uma prostituta canta ópera, na outra ponte um pescador reza peixes; na outra, desenhada pelo amor de deus, meninos jogam pernas para o ar e imaginam imitar o mesmo movimento gingado sobre as águas do lago – pontes andam e fazem ritmo no andar. No silêncio da noite veloz vou para meu laboratório for windows e incansavelmente observo Brasília no microscópio: ― violácea, virulenta, nuclear.

3 comentários:

Cosmunicando disse...

beleza de retrato... eu não conheço Brasília mas seus textos me deixaram curiosa.
parabéns pelo blog!

Ana Villas Boas disse...

Em sua leitura de Brasília, esta estaria entre "as cidades e a memória", "as cidades e o desejo", "as cidades e os símbolos", "as cidades delgadas", "as cidades e as trocas", "as cidades e os mortos", "as cidades e os olhos", "as cidades e o nome", "as cidades e o céu", "as cidades ocultas", ou "as cidades contínuas"? Ou Brasília seria lida como uma "cidade invisível", heim, marcopolo?

Unknown disse...

Que sensibilidade, está leitura me proporcionou uma viagem muito profunda por Brasilia, Parabéns.
Marlene