quarta-feira, 17 de setembro de 2008

BRASÍLIAS INVISÍVEIS III

Eu sou o passageiro. Na curva, pouco antes da banca de revistas, os faróis surpreendem dois garis. Eles correm, laranjas, atravessando o tráfego da entrequadra. Um deles parece até esconder o rosto. Também sou surpreendido. Eles estão, comumente, invisíveis. Sabemos deles nos montes de folhas, nos cortes milimétricos das cervas-vivas, no limpo do asfalto. Mas nunca lembramos deles. Dois homens de laranja precipitados no limbo brasiliano varrem invisíveis os restos visíveis de civilização. Brasília é sempre esse susto. Na calada da noite, em que tudo soa tão bem é possível surpreender e surpreender-se: dois lobos-guará, um casal que volta para casa, um solitário fazendo companhia ao porteiro solitário. Depois: o frio insone da madrugada. Vassouras. Os lobos andarilhos a caminho do lago, Penélope ofegante sonhando navios, o porteiro em frio cerrado e o companheiro flanando pela madrugada buscando ausências.
(Augusto Rodrigues)

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